A agricultura familiar é, muitas vezes, associada à pouca tecnologia e à baixa produtividade, mas uma família de pequenos produtores de cafés especiais prova que não é bem assim.
Mais de 20 pessoas da família Lacerda vivem de uma pequena lavoura em Minas Gerais. Eles investiram em tecnologia e conhecimento e o resultado é um café de alta qualidade, com ótimo preço de mercado.
A lavoura da família Lacerda fica na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, entre os municípios de Espera Feliz e Dores do Rio Preto. A região é conhecida pelo Parque Nacional do Caparaó, que abriga o Pico da Bandeira, com quase três mil metros de altura. É nesse cenário, bem ao lado do parque, que fica o sítio Forquilha do Rio, com 48 hectares, dos quais 21 plantados com café arábica.
“A família aqui tem meus pais, Onofre e Conceição, tem as duas irmãs, Aparecida a Geralda, e nós três, os irmãos Afonso, Ademir e eu. Tem também meus cunhados, sobrinhos e filhos. São 22 pessoas no total que moram no sítio. Dezoito trabalham diariamente no café”, conta o agricultor José Alexandre de Lacerda.
Onofre conta que o pai e o avô dele já produziam café, mas enfrentavam dificuldade para sustentar a família: “Era difícil, porque o dinheiro era muito pouco. Hoje mudou, é outra realidade, outra vida”.
A virada começou em 2010, quando a família ganhou um primeiro concurso regional de qualidade do café. Na época, foi uma surpresa e, desde então, os agricultores centraram foco na qualidade e melhoraram ainda mais a produção. O café do sítio foi ganhando fama e a família foi mudando de vida.
Um primeiro ponto que é fundamental para a qualidade do café da família é a natureza do lugar. O sítio Forquilha está em uma situação privilegiada para os cafezais: uma região de serra, com clima fresco o ano todo, chuvas bem distribuídas e uma altitude que varia de 1.100 a 1.400 metros. Segundo Afonso, irmão de Alexandre, o clima mais fresco pode até reduzir o volume de produção, mas é ótimo para a qualidade: “O café tem uma maturação mais lenta e aí tem mais tempo do grão absorver açúcar. Isso dá qualidade e sabor no café”.
Outra vantagem do clima de serra é que a família não enfrenta pragas, como a broca, e doenças, como a ferrugem, que são comuns pelo país afora. Além disso, o solo da região é muito bom.
Vale lembrar que os irmãos são da terceira geração de agricultores no sítio. Gente que tem intimidade com a natureza do lugar e com o comportamento do café na região. Essa experiência acumulada é outro diferencial.
Ao mesmo tempo a família não se contentou com o conhecimento tradicional e, principalmente nos últimos anos, soube se abrir para a inovação, para técnicas modernas de cultivo. Para isso, foi importante a participação de entidades como Emater, Incaper e Sebrae.
O agrônomo do Instituto Federal do Espírito Santo, João Batista Pavesi, é um dos que ajuda no sítio: “Eles faziam, geralmente, a correção do solo e adubação sem resultado de análise. Estavam colocando ou demais ou de menos e sem equilíbrio. Então, a análise do solo começou a ser feita todos os anos, houve uma redução na despeja com insumos da ordem de 17% e aumentou a produtividade em 26%”.
Com orientação, a família também passou a podar regularmente os pés, para deixar as plantas mais baixas e vigorosas. Além disso, de uns anos pra cá, a família começou a fazer cursos ligados a agricultura, café, meio ambiente. “O diploma traz aquela certeza técnica da coisa. A gente olhava, com meus pais, e falava que o terreno era bom, mas não sabia explicar porque ele era bom. Fazendo cursos, aprendemos a explicar porque ele é bom”, relata Afonso.
Colheita e secagem
A colheita é outra atividade decisiva para a qualidade de café. O trabalho ocorre de maio a dezembro, ou seja, é uma colheita longa, que se espalha ao longo do ano.
A família cultiva o café catuaí e um outro, de cor amarela, que é aparentado do bourbon, e é chamado de caparaó. Os irmãos procuram retirar apenas os frutos maduros da planta. É a colheita seletiva, diferente da convencional, na qual o trabalhador puxa todos os grãos ao mesmo tempo. “Pra comer uma fruta, normalmente, a gente escolhe uma madura. Com o café não poderia ser diferente. Aqui na nossa peneira temos os grãos maduros, em torno de 90% a 95%. São cafés de excelência, cafés superiores”, explica Ademir.
Segundo Ademir, outro ponto importante para garantir qualidade é que todo o trabalho é feito pela própria família: “Se você é dono, você toma a frente disso, você trabalha com mais cuidado, mais dedicação. O café precisa de muito cuidado, então, a gente como dono vai ter essa preocupação e carinho”.
O sítio produz, em média, 550 sacas de café por ano. Saindo da lavoura, começa outra etapa essencial para a qualidade: o trabalho de pós colheita, que deve ser feito com todo capricho. Nessa fase, a maior parte do café já é de grãos maduros, de qualidade superior. Mesmo assim, para completar a seleção, a família usa um equipamento que separa o café por peso. Assim, é possível retirar o que ainda sobrou de grãos pretos, que passaram do ponto, e verdes, que serão vendidos separadamente, como café comum. Os cafés maduros já saem descascados do equipamento.
A próxima etapa é a secagem e os cafés especiais são secados em estufas fechadas. Ficam protegidos da chuva, isolados de animais e devem ser revirados várias vezes ao dia. Quem cuida do serviço é Amanda, filha do Afonso, e Cláudia, mulher do Alexandre.
Uma parte do café do sítio é secada com casca. Nesse caso, o terreiro é suspenso e a separação dos grãos verdes ou passados é feita manualmente. Uma atividade que mobiliza avós, filhos e netos.
Prêmios
De fato, o café do sítio ficou famoso porque desde 2010 a família ganhou 16 prêmios de qualidade. Os concursos são promovidos pela Emater de Minas Gerais, pelo Incaper do Espírito Santo e por entidades nacionais, como a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).
A qualidade e a fama trouxeram também ganho econômico. Afinal, os cafés especiais são vendidos com preços bem acima do mercado comum. Enquanto uma saca de arábica convencional é negociada hoje na região por cerca de R$ 470, o café dos Lacerda alcança um preço médio de R$ 1.500 por saca, o triplo do valor.
Setenta por cento dos cafés especiais do sítio são exportados principalmente para a Europa, Japão e Estados Unidos. Os outros 30% são comprados, principalmente, em mercados e lojas de cafés finos das grandes cidades do Brasil.
Além da venda do café em grão, a família montou uma cafeteria dentro do sítio. Altilina, esposa do Afonso, mói e torra cerca de 5% da produção, o que aumenta os lucros da família e ainda divulga o produto para compradores e turistas que visitam a propriedade.
Com os bons resultados do café e qualidade de vida, os jovens da família não têm vontade de deixar o campo. Amanda, por exemplo, nasceu e cresceu no sítio. Hoje tem 16 anos e está no segundo ano do ensino médio: “Eu quero me formar em agronomia, quero continuar o que meu pai e meu avô começaram, porque é um orgulho ter o que eles começaram”.
Aos 15 anos, Helen, filha do Ademir, também está no ensino médio e pretende ajudar a família na exportação: “Eu tenho estudado inglês e pretendo fazer uma faculdade de letras e pretendo. Se chegar alguém estrangeiro e quiser saber mais sobre nosso café, vai ter alguém pra conversar com eles. Acho que vai ajudar muito”.
Exemplo a ser seguido
Esse trabalho, focado na qualidade, também está servindo de exemplo para vários outros sítios. Atualmente, a produção de cafés especiais já faz parte do dia-a-dia de cerca de 250 propriedades da região do Parque Nacional do Caparaó. Esse número só tende a aumentar nos próximos anos. É uma maneira de melhorar a renda e qualidade de vida de milhares de famílias pequenos produtores de café.
A família Lacerda já conseguiu vender o café do sítio por quase R$ 5 mil a saca e em leilões especializados, os cafés especiais podem alcançar valores ainda mais altos.
Por: Click Carangola